Habitação
11/02/2022
Especialistas salientam necessidade de criar habitação a preços compatíveis com os rendimentos
No evento “Mercado imobiliário europeu: riscos e oportunidades no atual cenário macroeconómico” discutiram-se temas como a implementação do ESG e o parque habitacional português.
Especialistas salientam necessidade de criar habitação a preços compatíveis com os rendimentos

Realizou-se no dia 27 de outubro, na sede da PLMJ em Lisboa, o evento “Mercado imobiliário europeu: riscos e oportunidades no atual cenário macroeconómico”, organizado pela Worx Real Estate Consultants em parceria com a PLMJ e o BNP Paribas Real Estate.

Grandes adversidades que a conjuntura atual traz, como a inflação em máximos de mais de duas décadas, os juros a dispararem, o desafio da transição energética e como deve Portugal adaptar-se a estes paradigmas, foram algumas das questões a abordar pelos oradores e painéis de especialistas presentes no evento.

Samuel Duah, diretor internacional de investigação no BNP Paribas Real Estate, foi o primeiro interveniente do evento, com uma apresentação sobre as perspectivas económicas para o continente europeu. O especialista sublinha que, este ano, o investimento em imobiliário europeu deverá fixar-se nos 240 mil milhões de euros, uma descida de 18% face a 2021, segundo os dados apresentados.

Aquando desta inflação estruturalmente elevada, o diretor internacional de investigação no BNP Paribas Real Estate refere que é «importante habituarmo-nos a isto pelo menos a médio prazo» e que os «rendimentos de propriedade terão de ser repostos para um novo e mais elevado nível de equilíbrio». Para Samuel Duah, «o ambiente económico vai piorar antes de melhorar, sendo que o crescimento económico vai abrandar também nos próximos meses».

O «work from home» não é «uma ameaça existencial para o setor de escritórios»

Na ótica dos ocupantes, Samuel Duah atenta para o facto de «o escritório não se tratar de retalho» e de o «work from home» não se tratar de «uma ameaça existencial para o setor de escritórios». Em termos da temática do ESG, o responsável pela investigação no BNP Paribas Real Estate refere que é fundamental promover cada vez mais operações de construção sustentável, tendo sempre como foco a qualidade.

Resolver o problema das alterações climáticas

Miguel Subtil, managing director da Átomo Capital Partners, o segundo interveniente da manhã, discorreu sobre o tema do impacto das alterações climáticas no mercado imobiliário. Ao atentar para o problema das «temperaturas sem precedentes», e que a «solução tem de ser antropocêntrica, somos nós que temos de resolver o problema», Miguel Subtil apresentou dados que indicam que: as operações de construção são responsáveis por 27% de emissões de CO2 e os materiais de construção e construção por 10%, «o “built environment” gera quase 50% das emissões globais anuais de CO2».

Miguel Subtil refere ainda que as alterações climáticas são riscos que «têm impacto nas nossas vendas, no O&M e no nosso CAPEX», para isso é fundamental «termos uma estratégia (analisarmos que mercado temos, quem são os nossos clientes etc.), pois o compliance vai ser extremamente exigente, vamos ter de cumprir com estas diretrizes».

Na primeira mesa-redonda de debate da manhã discutiu-se o impacto destas circunstâncias económico-sociais no paradigma imobiliário. Apesar de todos os dias se baterem recordes de vendas e preços, «estamos a viver tempos estranhos e de incerteza», afirma Amílcar Lourenço, administrador Executivo do Banco Santander Totta, enfatizando que que a procura de crédito habitação vai sentir «uma quebra no mínimo entre 20% a 25%». Refere ainda que o imobiliário está numa situação «saudável» e que «hoje não temos um excesso de oferta, sendo isso uma proteção».

João Pratas, presidente da APFIPP, considera que o facto de o imobiliário ter «ativos menos líquidos» é por si só uma vantagem, pois assim «pode ter variações mais lentas». O facto de Portugal estar a receber cada vez mais estrangeiros é também uma boa oportunidade, assinala Isabel Ucha, presidente do Conselho de Administração da Euronext Lisbon, pois «podemos aproveitar as suas poupanças elevadas e, de facto, o imobiliário tem sido um setor que estas pessoas investem».

Agir em situações de crise

De um ponto de vista do setor do turismo, Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Conselho de Administração do Grupo Vila Galé, acredita que «as melhores alturas para fazer “coisas” são estas, situações de crises (...) temos de aproveitar estas alturas para trabalhar mais e melhor». Considera ainda que o problema da falta de habitação «não se resolve só com o setor privado, tem de existir também vontade do setor público». Jorge Rebelo de Almeida sublinha ainda o facto de o turismo ter sido «maravilhoso este ano, no entanto não sei se vai repetir para o próximo ano».

"Há uma deficiência de oferta de habitação em Portugal"

Pedro Siza Vieira, atual sócio das áreas de Bancário e Financeiro e de Mercado de Capitais da PLMJ, considera que, evidentemente, «existe uma deficiência de oferta de habitação em Portugal» e comparativamente ao resto da Europa as «nossas capacidades de investimento na renovação da habitação ainda estão muito abaixo».

Pedro Siza Vieira concorda ainda com a opinião de Samuel Duah, quando este refere que o crescimento económico vai abrandar nos próximos meses: haverá uma possível «redução do nível de crescimento da economia europeia, assim sendo, não deveremos assistir a uma recessão generalizada e prolongada ou a uma depressão, algo que ocorreu na crise anterior», refere Pedro Siza. A maior liquidez e menor endividamento das famílias e empresas, bem como o nível de desemprego baixo, são vantagens que nos fazem «entrar neste momento turbulento em muito melhor forma».

Na segunda mesa-redonda de debate da manhã, discutiu-se o tema "A resposta do setor imobiliário e as tendências que vieram para ficar". Para Pedro Rutkowski, CEO da Worx Real Estate Consultants, «a necessidade de habitação que existe é real, não só para venda, como também arrendamento» e que a aprovação de um projeto «demora muito tempo e muitas das vezes é esse tempo que faz com que os projetos também fiquem desadequados». Aponta a reconversão de património existente como «uma solução outra e oportunidade de investimento», opina o CEO da Worx.

Os dois obstáculos do mercado habitacional português

Para Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, os baixos salários, que não acompanharam a evolução do valor dos ativos imobiliários, e a falta de oferta/excesso de procura, tratam-se dos dois grandes obstáculos ao mercado habitacional em Portugal. O presidente da APPI assinala que «temos um mercado imobiliário privado disponível, que tem capital e liquidez para avançar com a construção de habitações acessíveis», apesar de reconhecer que com «o panorama que hoje vivemos no mundo isso é praticamente impossível ocorrer».

Tempos de licenciamento - "um desígnio nacional"

A redução dos tempos de licenciamento urbanísticos trata-se de um «desígnio nacional», aponta Hugo Santos Ferreira, ao referir que é necessário esta redução nos tempos de licenciamento, bem como a diminuição da carga fiscal, para que haja «mais habitação e mais barata». Ao atentar para o ponto da disponibilização do património público do Estado, o presidente da APPII refere que «o Estado não sabe quantos imóveis tem e que está há anos a tentar inventariar o seu património, por isso, terá mais dificuldades em o libertar».

"Temos pessoas muito mais profissionais no mercado"

Para Francisco Sottomayor, CEO na Norfin e Board Member da Vilamoura World, há um fator novo e diferente quando observa o mercado: hoje, «temos pessoas muito mais profissionais num mercado muito mais profissional e transparente, com players mais eficientes e com drivers de procura mais diversificados: já não estamos tão dependentes do mercado de financiamento». Acrescenta ainda que «temos um cenário muito mais competente, empresas muito mais capitalizadas, sendo que também temos um financiamento muito mais responsável do lado da banca».