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28/06/2023
Concessão para habitação acessível tem de garantir incentivos aos promotores
Na preparação do modelo português, há lições a tirar do exemplo espanhol, como a segurança jurídica, ou a agilidade de programas como o Plan Vive. Um dos principais pedidos é a transmissibilidade da concessão.
Concessão para habitação acessível tem de garantir incentivos aos promotores

A habitação acessível e o novo modelo de concessão de terrenos e de parceria público-privada que está a ser estudado pelo Governo animaram o debate da tarde da Conferência da Promoção Imobiliária, uma iniciativa da APPII com o apoio da VI. Ficou clara a vontade dos promotores em criarem esta oferta, mas os profissionais pedem que sejam garantidos os incentivos necessários para entrar neste modelo.

Este novo programa de concessão de terrenos para construção está a ser discutido em estreita colaboração com as associações do setor imobiliário, como a APPII, por forma a garantir um modelo viável e atrativo para o investimento imobiliário em habitação acessível. Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, recordou na ocasião que este tema está a ser trabalhado com o Governo, e que deverá ser «de colaboração pública e privada eficaz, que nos permita realmente ir a jogo. Está na altura de montarmos um programa que funcione. Certamente montaremos um bom programa de uma profícua relação entre o público e o privado». Os promotores aplaudem a iniciativa, mas pedem algumas condições.

Build to rent tem de passar a ser atrativo

Os promotores imobiliários reiteram que «o modelo tem de ser atrativo à sua participação, e hoje o Build to Rent [construção para arrendamento] não é atrativo, com custos de construção muito elevados, incertezas no processo de licenciamento ou aumento dos custos do licenciamento», alertou Miguel Pereira Pinto, Head of Asset Management da Albatross-Quantico. Na sua análise, propõe, por exemplo, um modelo de renovação no final do prazo do direito de superfície, e a possibilidade de cedência e transmissibilidade do mesmo, além de uma maior autonomia das entidades gestoras dos contratos de arrendamento. Defende ainda mais estabilidade no licenciamento.

Daniel Tareco, Board Member da Habitat Invest, concorda que as contas do Build to Rent ainda não fecham em Portugal, nomeadamente porque o valor de venda é muito mais atrativo que o da renda a praticar, «por isso é importante este modelo de concessão, em que o promotor coloca a sua capacidade no terreno». E considera que, numa primeira fase, «o licenciamento é importantíssimo».

Por seu turno, Claude Candyioti, CEO da Krest, empresa experiente em desenvolver este tipo de oferta na Bélgica, destaca a importância da previsibilidade, nomeadamente saber «como se entra e como se sai do investimento» e de «conhecer quem será o parceiro, e para nós isso ainda não é claro. Precisamos de saber como implementar o projeto a nível local, nomeadamente através de uma entidade específica». Critica o tempo que a discussão em torno da habitação está a levar, dado que o problema «é uma emergência. Não temos tempo, e o contexto está muito mais difícil».

«Não temos razão nenhuma para não ter este modelo em Portugal, já que as PPP não são novidade para nós»

Carlos David, Development Director da Nhood Portugal, considera que há que olhar para os exemplos da vizinha Espanha: «É inquestionável que o modelo espanhol é interessante» e «ágil». Luís Rosado, Partner da E&Y, acredita que o modelo «não é muito diferente do que já existe em Portugal noutros formatos de PPP», e destaca também a importância da escala do projeto ou a transmissão do direito de preferência. «Não temos razão nenhuma para não ter este modelo em Portugal, já que as PPP não são novidade para nós».

Plan Vive vai entregar 8.500 habitações acessíveis em Madrid

Os modelos de concessão de terrenos públicos para habitação acessível que já existem em Espanha estiveram em destaque nesta conferência, nomeadamente o Plan Vive, de Madrid, uma iniciativa público-privada que prevê a construção de milhares de frações de habitação acessível nesta comunidade. José María Gárcía Gómez, Viceconsejero de Viviend da Comunidad de Madrid, apresentou em pormenor este plano aos promotores imobiliários reconhecendo que «temos de dar resposta a esta situação [da habitação] e para isso usamos um instrumento que todas as administrações públicas têm: o terreno»

Este modelo de espanhol propõe terrenos públicos com gestão de habitação privada, com uma concessão a 50 anos. É a autarquia que gere os critérios de ocupação e atribuição das habitações e respetivas limitações de preços, que devem ser pelo menos 40% inferiores às rendas de mercado.

O responsável explica que «o segredo do sucesso foi articular uma fórmula de segurança e transparência jurídica num contrato entre as partes. É um marco regulatório». E destaca que «é importante conhecer o negócio imobiliário e o ponto de vista do promotor. Se não for rentável do ponto de vista económico, não vai atrair qualquer investimento. Se estabelecermos logo a partida estas condições, que garantam rentabilidade razoável em torno de 6% ao ano que justifique este investimento através deste financiamento, garantimos que é atrativo».

De acordo com García Gómez, estão atualmente em andamento 5.400 habitações em diferentes fases de projeto, 4.800 em plena construção, 1.700 das quais vão avançar de forma industrializada. «Vamos introduzir os fundos ‘Next Generation’ para ajudar no financiamento destas parcelas, para conseguirmos cerca de 8.500 habitações em arrendamento acessível nos próximos 3 anos», num volume de investimento de cerca de 800 milhões de euros.

García Gómez está convicto de que «este modelo pode ser replicado também em Portugal, assim a administração pública tenha estes terrenos disponíveis e um modelo de colaboração público-privada, como direito de superfície. Temos de ser capazes de atrair esse investimento em localizações onde a habitação faça falta».

Daniel Cuervo, secretário-geral da ASPRIMA, homóloga da APPII em Madrid, salienta que «é importante mobilizar os terrenos públicos, que muitas vezes estão inutilizados e não são úteis à sociedade, apesar da emergência social», e devem ter capacidade para projetos de grande escala, com pelo menos 100 unidades – algo essencial à rentabilidade da operação. E alerta que as ajudas ao financiamento são essenciais para levar estes programas avante, dada a atual situação de alta nas taxas de juro.

Habitação acessível tem de ser pensada “numa lógica metropolitana”

Para adaptar o modelo espanhol ao caso português, Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Iberia, alertou para o facto de termos de olhar para «diferentes realidades, numa lógica metropolitana. Temos de incorporar inovação na indústria da construção, implementar novas metodologias que tornem a construção mais eficiente», e concorda que «precisamos de mais promoção de terrenos disponíveis».

Apresentando nesta ocasião a segunda edição do Estudo de Acesso à Habitação, da Century 21, o responsável deixou alguns números que ajudam a perceber as diferenças entre as realidades portuguesa e espanhola. Ambos os países têm taxas semelhantes de propriedade da habitação, mas «as principais diferenças são nos rendimentos das famílias». E exemplifica: «a cidade com rendimento médio mais baixo de Espanha, Mérida, é 900 euros acima do rendimento médio de Lisboa. Isso tem grande impacto na taxa de esforço do acesso à habitação», e é isso que faz com que Lisboa tenha a maior taxa de esforço para compra de habitação da Península Ibérica, perto dos 70%, comparando com os cerca de 40% de cidades espanholas como Madrid, Maiorca ou Barcelona. O valor médio de transação de Lisboa está nos 375.480 euros, acima de Madrid e de Barcelona, com 338.310 euros.

Ricardo Sousa resume que «temos um grande problema de falta de oferta», nomeadamente para segmentos médios e mais baixos. E dada a dimensão geográfica da cidade (100 km quadrados de Lisboa a comparar com 600 km quadrados de Madrid), «a visão que temos da cidade de Lisboa tem de passar a ser metropolitana, e temos de olhar para o que se faz bem em Espanha».