Após intenso debate foi finalmente publicado, e bem, em Diário da República o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que procede à simplificação dos processos de licenciamentos como os conhecemos até hoje e buscando agilizar a criação de uma maior disponibilidade de oferta de habitação e de forma de incentivo ao desenvolvimento de novos processos de desenvolvimento imobiliário como sendo uma das suas funções e objetivos chave, «a simplificação destes procedimentos contribui para o aumento dos solos disponíveis, permitindo igualmente que os custos da criação de habitação sejam menores e os tempos de concretização de projetos imobiliários sejam mais reduzidos».
Em matéria de urbanismo, e no que respeita a processos de licenciamento em geral, a proliferação legal e normativa com as suas consecutivas alterações constantes das últimas décadas era um processo verdadeiramente caótico e desmotivador para a atividade e procedeu-se assim a várias alterações que permitem dar um importante passo de simplificação tais como a eliminação da necessidade de obter licenças urbanísticas (criando-se, para o efeito, novos casos de comunicação prévia, de isenção e de dispensa de controlo prévio), a não necessidade de licença de utilização, etc.
Ainda é cedo para se compreender o impacto total desta nova abordagem, tão criticada por uns como louvada por outros, e até que ponto a mesma irá produzir a totalidade dos efeitos pretendidos.
Após a usual e normal resistência à mudança, que faz parte de sermos humanos e potenciada também por razões históricas e culturais, a lei provocará também uma mudança de paradigma e de filosofia na forma de abordar o tema e que poderá inclusive ser propulsora de mudanças semelhantes em outros setores de atividade, que poderão vir a ter mudanças de enquadramento de certa forma equivalentes.
O diploma suscita ainda muitas dúvidas, e muitos defendem que deve ser alvo de esclarecimentos complementares, e de regulamentação posterior, que esclareça melhor o seu âmbito, mas é bem vinda a iniciativa e poderá ser sempre melhorada (denotou-se alguma pressa “legislativa” na sua elaboração pelas razões que todos nós conhecemos).
Uma das questões menos abordada, pelo seu cariz mais específico, tem sido a sensibilidade das entidades bancárias na atribuição de financiamento a novos projetos e aos novos fogos provenientes já ao abrigo do novo enquadramento legal (existe quem tema uma potencial subida de preços de imóveis licenciados em tempos anteriores à nova lei, pela sua maior segurança jurídica e o consequente facilitar da aprovação dos financiamentos e das condições de crédito).
Ainda é cedo para conclusões definitivas, mas parece ser provável um esclarecimento adicional de algumas das questões que o novo diploma levanta e que tem vindo a causar algumas dúvidas na forma de decidir e atuar por parte de algumas entidades financiadoras, especialmente nos processos de decisões de atribuição de crédito a novos desenvolvimentos.
Atenção deverá ser dada para que essas potenciais formas de esclarecimento de enquadramento posteriores não sejam de tal forma extensas e continuadas que na prática aquilo que se tentou resolver apenas tenha mudado de forma e não de conteúdo, voltando a ter o setor uma nova lei, mas que cresce em dimensão e complexidade normativa a cada dia.
Muita coisa irá mudar e a ritmo acelerado pois para além do tema que aqui focamos com maior ênfase existem outros (ESG, Hipotecas Verdes, enquadramento energético, entre outros) vindos da EU que irão provocar alterações no setor. O mundo é dinâmico e as alterações são inevitáveis e a ritmo crescente (poucos já se lembram do imprescindível e essencial “fax” e da desconfiança que havia no uso do atual e trivial email completamente universalizado faz décadas).
Esta mudança continua, e agora adicionalmente impulsionada pelo novo enquadramento legal de licenciamento, irá dar maior responsabilidade a vários dos intervenientes envolvidos, pondo especial peso na responsabilização dos projetistas, mas abrangendo também outros setores e serviços relacionados com estes temas que terão de se adaptar e aceitar uma maior fatia de responsabilização na sua atividade normal.
No que toca ao tema da avaliação de imóveis é expectável que venha a ocorrer uma maior necessidade de rápida adaptação e de profissionalização adicional do setor e a uma maior exigência de conhecimento.
A atividade de avaliação serve essencialmente dois propósitos ou planos de atuação, em que um será para servir de apoio a decisões de investimento e que, como tal, deve refletir uma visão conhecedora e real de tudo o que respeita a um processo de promoção imobiliária e o impacto positivo ou negativo em prazos, custos e proveitos que a cada momento mudam, ou podem via a mudar, por efeitos de mercado e/ou sempre que muda algum normativo de enquadramento da atividade. Para que tal propósito possa ser atendido de forma profissional o conhecimento de todos os processos e o seu impacto torna-se ainda mais essencial que antes na atividade de avaliação imobiliária.
Em segundo plano, e no que toca agora ao serviço prestado na ótica da avaliação imobiliária, mas desta feita não ao promotor, mas sim às entidades financiadoras (muitas vezes críticas em todo o processo), o serviço de avaliação a prestar deve dar uma maior confiança aos processos de decisão de financiamento.
A empresa avaliadora não substitui nem fará sentido puxar a si as responsabilidades que de acordo com a lei devem estar na esfera do projetista e de outros intervenientes, mas poderá ser um apoio adicional importante, se tiver incorporado na sua estrutura essas valências mais alargadas, numa avaliação adicional não somente do imóvel per si mas também colaborando num reforço de análise da viabilidade urbanística da pretensão, com um olhar crítico adicional sobre o ativo sobre o qual debruça a sua atenção para além da sua avaliação em sentido estrito (nomeadamente com um segundo olhar sobre o enquadramento dos projetos que servem de base á intenção de desenvolvimento imobiliário debaixo de avaliação).
A integração de equipas multidisciplinares experientes torna-se assim essencial na atividade avaliação saindo cada vez mais de uma realidade de um ato executado por perito individual e passando a ser, pelo menos nos casos mais complexos, um ato de avaliação de um perito coletivo (definição existente e enquadrada pela CMVM) que reúna todas as valências dentro da sua estrutura.
É este o caminho com o qual nos comprometemos e para o qual nos temos vindo a preparar desde alguns a esta parte, não somente em Portugal, mas também na maioria dos países onde estamos presentes. Esse é o compromisso que temos e que queremos reforçar com os nossos clientes do setor financeiro, promotores e empresas.
Autor: José Manuel Morgado, Managing Partner, PVW TINSA