Sustentabilidade
02/21/2022
Sustentabilidade de hoje vai ser determinante no valor dos ativos amanhã
Não só pelas questões ecológicas, como também pelo cumprimento das metas europeias. Os imóveis que incorporarem hoje esta sustentabilidade, serão os mais valorizados nos próximos anos, e este racional económico vai impulsionar a mudança.
Sustentabilidade de hoje vai ser determinante no valor dos ativos amanhã

A sustentabilidade ainda não é um fator decisivo na altura de comprar um imóvel, principalmente se for de habitação, mas sem ela, o setor não estará à altura das exigências dos próximos anos. Este foi o tema central do debate da conferência “Avaliação e Sustentabilidade – Um novo paradigma”, organizada pela Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários em Lisboa a 18 de fevereiro.

No imobiliário comercial esta componente já ganha importância, e está na agenda dos investidores, mas ainda não se verifica a mesma preocupação com a habitação. A sustentabilidade ainda não se traduz diretamente no valor dos ativos, enquanto fator de valorização. Nuno Lacasta, da Agência Portuguesa do Ambiente, acredita que «temos de começar a discriminar em termos de regulação», nomeadamente preparando «materiais e metodologias para que as coisas aconteçam, como acontece já com a certificação energética».

O responsável salientou também a preocupação com a implementação da economia circular na construção, considerando que «a cadeia de valor ainda está muito precoce no que diz respeito à utilização de materiais sustentáveis, ainda está montada para os materiais mais tradicionais», nomeadamente com pouco aproveitamento de materiais existentes na reabilitação urbana. E sugere que o Estado deveria ser o exemplo, através da contratação pública: «se este grande poder aquisitivo passar a comprar mesmo verde, as cadeias de valor mudam do dia para a noite».

Até porque a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios está em curso, e propõe-se a transitar todos os edifícios para classe energética A até 2050. Em representação da Direção Geral de Energia e Geologia, Francisco Carriço destacou que «temos um grande trabalho a fazer», e que por cada euro investido «conseguimos uma poupança de 9 cêntimos, além de ganhos em termos de saúde, trabalho e de valorização do imóvel» e, sobretudo, poupanças ao nível da fatura energética.

A melhoria da sustentabilidade dos edifícios vai fazer-se sentir também noutras áreas da vida dos utilizadores, nomeadamente na economia, como defende Nelson Lage, presidente da ADENE, segundo o qual esta «pode ter benefícios na economia a médio e longo prazo. Conhecer, gerir e medir melhor é fundamental para explorarmos os benefícios destes ativos».

Considera que «as estratégias como a ELPRE são verdadeiramente importantes, pois orientam-nos nesta transição. O potencial de oportunidades de melhoria significaria uma poupança de cerca de 1.000 milhões de euros por ano nas faturas energéticas, e temos hoje condições extraordinárias para transformar estruturalmente os edifícios nos próximos anos, entrando num novo paradigma de sustentabilidade», nomeadamente tendo em conta os financiamentos previstos pelo PRR. Mas «temos de ir muito além da certificação energética, e alargar o conceito a outras áreas. Com a ajuda de todos, podemos afirmar os princípios da sustentabilidade e da economia circular no setor dos edifícios, para entregar valor acrescido à sociedade, e construir um futuro mais verde para os nossos filhos».

Pensar hoje nas exigências dos próximos anos

Bruno Sauer, CEO do Green Building Council em Espanha, abordou a questão dos critérios ESG (Environment, Social, Governance) e da taxonomia europeia, que regula as questões da aquisição, construção ou renovação dos ativos, tendo em conta critérios como a mitigação das alterações climáticas, adaptação às mesmas, gestão da água, economia circular ou prevenção da poluição atmosférica e promoção de ecossistemas saudáveis. Defende que se trabalhe numa economia circular, que o proprietário possa ter mais certezas sobre o que vai acontecer ao seu imóvel nos anos seguintes. E alerta: «vamos ter de reportar as taxas de carbono dos ativos. Se não começarmos a pensar agora nos próximos 20 anos, teremos grandes problemas com os valores dos ativos nessa altura. Se esperarmos até ser obrigatório, não teremos tempo de reduzir o carbono embutido».

Já Felipe Romero, diretor do Instituto de la Construcción de Castilla y León, que promove a sustentabilidade na construção e valorização dos imóveis, defende que «é o momento de falarmos todos do mesmo, se temos ferramentas que permitam avaliar os ativos de forma objetiva, uma vez definidos os conceitos», e que «a sustentabilidade de um edifício não deve ser avaliada num momento concreto, mas sim ao longo de todo o ciclo de vida do edifício».

É nesse sentido que trabalha a Level(s), um quadro comum da União Europeia que descreve os principais indicadores de sustentabilidade e fornece uma linguagem comum para definir o desempenho de sustentabilidade dos mesmos, e que «pode ser usada por promotores, equipas de projeto, investidores ou decisores políticos», segundo o responsável.

Industrialização da construção pode ajudar, mas só se for ecológica

Felipe Romero acredita que esta questão da sustentabilidade «é uma necessidade, não é uma opção», e recorda o «enorme problema de mão-de-obra que temos entre mãos. Teremos de construir de forma diferente, e uma das respostas é a industrialização de alto nível tecnológico».

Mas Bruno Sauer avisa que «a industrialização da construção só tem sentido se tiver valor acrescentado, se for perfeitamente adaptada às alterações climáticas. Se for para construir industrialmente como temos feito até agora, não acrescenta valor nenhum».

E afirmou preocupar-se «que todos os materiais mais eficientes que estamos a usar hoje não tenham ainda um plano de economia circular, não sabemos o que lhes vamos fazer em fim de vida. É um exercício que temos de fazer». E defende que «o edifício pode ser considerado a nova “mina” dos materiais. Temos de pensar, ao nível da reabilitação urbana, como é que o próprio edifício pode ser a fonte dos materiais que se vão usar. Dá muito trabalho, mas isto tem de ser o futuro».

Racional económico vai impulsionar a mudança

Uma das ideias saídas deste debate é que a motivação económica vai impulsionar a inclusão dos critérios de sustentabilidade nas operações, nomeadamente do lado dos bancos. António Gil Machado, diretor da VI e moderador desta mesa-redonda, considera que a necessidade de os bancos se financiarem com “obrigações verdes” e demonstração desse mesmo financiamento «será um grande driver» de financiamento de projetos imobiliários mais sustentáveis.

Nelson Lage considera positivo que a sustentabilidade tenha deixado de ser «parente pobre» depois de 20 anos de certificação energética em Portugal, mas «ainda há um grande caminho a fazer». Felipe Romero vai mais longe: «temos tudo para fazer, apesar dos avanços dos últimos 20 anos», nomeadamente ao nível da renovação de edifícios.

Os participantes do painel concordam que é o momento de mudar, independentemente do que move cada um. No período de perguntas colocadas pelo público, ficou claro que não há tempo a perder, e que já foi perdido o bastante no que à sustentabilidade diz respeito, tanto no imobiliário como na banca, e há que tomar medidas para que o mesmo tema não seja discutido novamente dentro de 10 anos. Há que transformar a sustentabilidade em valor e a responsabilidade é de todos os intervenientes, desde os arquitetos, à construção, banca ou cidadãos, que devem ser cada vez mais sensibilizados.

Fonte:Vida Imobiliária