Urbanismo
13/05/2021
Câmara de Lisboa e promotores querem “quebrar o paradigma” do urbanismo
Os atores imobiliários pedem a criação de um interlocutor único que acompanhe os processos de licenciamento nas autarquias, em especial em Lisboa.
Câmara de Lisboa e promotores querem “quebrar o paradigma” do urbanismo

Promotores, arquitetos e autarquia estão prontos para caminhar cada vez mais em conjunto «para construir as cidades do futuro». Esta foi uma das principais conclusões da conferência “Cidade, promotores e arquitetos”, coorganizada pela APPII e pela VI durante a Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, que se realizou esta semana.

Na abertura da conferência, Henrique Polignac de Barros, Presidente da APPII, destacou que «só com a complementaridade entre os fazedores de cidades e os decisores públicos conseguimos atingir os objetivos a que nos propomos». E Hugo Santos Ferreira, Vice-Presidente Executivo da associação, acredita que «estamos num importante ponto de viragem. Todos andaram de costas voltadas durante décadas, e é esse o paradigma que temos de quebrar para criar as cidades do futuro. Mas sabemos que temos ainda muito trabalho pela frente».

Participando nesta conferência, Ricardo Veludo, vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, defende que a autarquia está a trabalhar «numa cultura de gestão e foco no utilizador – os cidadãos». Destacou o trabalho que a CML tem feito ao nível da melhoria da eficiência da gestão urbanística, que foi «totalmente desmaterializada» em 2020, «o ano em que decidimos mais processos nos últimos 10 anos. Foi um esforço gigantesco que os trabalhadores fizeram para a economia da cidade». Destacou também o «aumento da transparência dos serviços urbanísticos», que descreve como «um trabalho incremental que deve continuar sempre». E deu o exemplo da reabilitação do quarteirão da antiga Pastelaria Suíça, no Rossio, que tem uma exposição dedicada sobre este património no exterior do edifício, em que «o arquiteto explica a proposta à cidade», um sistema que a CML pretende aplicar noutros projetos de relevo, aumentando a participação pública.

Para Gonçalo Byrne, Presidente da Ordem dos Arquitetos, «a cidade é a convergência de várias formas de conhecimento, não o é sem o promotor, nem sem o utilizador» e é «construída com base no diálogo, ou destruída com base no conflito. E o próprio diálogo passa também pelo confronto».

Setor imobiliário pede um “interlocutor único”

Enquanto promotor imobiliário, Aniceto Viegas, da Avenue, partilhou que os tempos de licenciamento «dependem muito do processo e de quem está com ele». E alerta para «a falta de um interlocutor, seja único, ou seja, alguém que acompanha o projeto do princípio ao fim. Muitas vezes estamos dependentes da boa vontade de alguém que faça esse acompanhamento. É fundamental que isso seja implementado».

Também José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, concorda que «é muito importante o ponto de contacto com alguém que possa ser o gestor e que tenha poder de decisão». E alerta que «não existe construção sem financiamento, e os bancos têm de acreditar que as câmaras são céleres, se não, não financiam. Temos de trabalhar todos para o mesmo». E completa ainda que «vamos tentar reforçar o nosso investimento em Lisboa este ano, é também um voto de confiança na gestão urbanística».

André Caiado, arquiteto da Contacto Atlântico, vai mais longe. Perante um enquadramento jurídico denso e opiniões distintas, «precisamos de colo. Alguém que queira falar connosco ao telefone, por email, que nos vá levando por todas as “capelinhas” para chegar ao fim em tempo. Promotores, municípios e técnicos de braços dados podem reduzir os tempos».

João Pereira Reis, Partner da Morais Leitão, destacou neste debate a importância que têm «as camadas de legislação não articuladas entre si» que considera também «difíceis para os juristas».

Defende que «não temos de inventar a roda, mas sim ter a coragem para colocar os instrumentos da legislação em prática». E dá um exemplo: as especialidades não devem ser apreciadas pelos técnicos municipais, segundo o RJUE, mas «só a Câmara de Lisboa começou a fazer cumprir a lei», aponta. Segundo Ricardo Veludo, esta implementação permitiu baixar de 8 a 9 meses para 3 a 4 semanas o prazo de apreciação dos projetos nas especialidades. «É um ganho gigantesco, que obrigou a rever a prática, reorganizar o fluxo e desmaterializar o processo».

O jurista defende a criação da figura do «gestor do procedimento, como a legislação prevê. Alguém a tempo inteiro, com competências delegadas para poder exercer uma coordenação efetiva do procedimento, evitando que os serviços municipais se pronunciem sobre matérias que não são da sua competência».

Importância da tecnologia e da formação

A tecnologia pode ter um bom contributo para agilizar estes processos. António Monteiro, da A400, considera que «temos uma oportunidade única para implementar estas soluções, para pensar num edifício a longo prazo. A digitalização é um suporte determinante para atingir esse objetivo. O BIM permite cadastrar o edifício desde o dia da demolição da pré-existência ao dia em que as pessoas vão usar o edifício».

O «caminho da profissionalização» é também apontado pelos especialistas como mais um passo importante para acelerar todo o processo urbanístico. Gonçalo Byrne defende que «a formação é muito importante e passa também por criar canais de diálogo e derrubar muros. É o principal desafio dos agentes, e claramente dos arquitetos, pois grande parte dos conflitos que existem têm a ver com hábitos de não transparência, de não diálogo. É um ato de aprendizagem que passa por alguma humildade, mas que é fundamental para construir um novo paradigma».

Hugo Santos Ferreira considera que «a formação é importantíssima. E por isso a academia APPII está a preparar vários cursos formativos, como um de boa entrega de processos nas câmaras municipais».

Nestas sessões de formação, Ricardo Veludo acredita que «câmara, arquitetos, engenheiros e promotores, temos todos de nos encontrar e criar uma linguagem partilhada, um contacto que nos ajude a perceber as dificuldades uns dos outros. Isto é fundamental, e não gera nenhuma confusão sobre o papel específico de cada um», conclui.

Fonte: RE Portugal